De uma forma documentada, fomos os primeiros a percorrer a estrada nacional da moda numa moto elétrica. Em apenas dois dias úteis, ligámos Chaves a Faro e nas próximas edições contamos tudo sobre esta experiência inesquecível.
A ideia já andava no ar há algum tempo. “Descer” a N2
e percorrer a, porventura, estrada mais badalada do
“retângulo” nacional, não só cá dentro, mas também lá
fora. Alguns amigos já haviam dito querer associar-se
a este projeto para a época de estio, mas a complexidade
de agendas fez com que fossemos apenas dois.
Na verdade, já havia prometido ao meu rapaz – que
se encontra lá fora a ganhar a vida como engenheiro
de desenvolvimento de um carro superdesportivo, de
motor V12 atmosférico e projetado pela equipa de um
renomado ex-engenheiro de Fórmula 1, radicado de
há muito em Inglaterra – que o faríamos numa próxima
oportunidade.
O fator “complicar o que é simples”
Porém, há quem goste de tornar o que é fácil numa tarefa
mais complicada, colocando a si próprio desafios
a que a maior parte torceria o sobrolho. Encontro-me
nesse grupo, não sei se pelo avançar da idade ou se por
outra distorção de personalidade, em particular no
que toca às duas rodas.
Desta forma, foi assim que surgiu a ideia luminosa de
descer a N2 com duas motos movidas a eletrões. O
problema é que teríamos um prazo muito curto para o
fazer, pois o Gil tinha um casamento no fim de semana
e eu só poderia recolher as motos quatro dias antes do
dia da partida.
Mas nem tudo era mau. Na verdade, a possibilidade de
rolar numa das melhores motos elétricas que o dinheiro
pode comprar, com malas e tudo, dava lugar a um
sorriso de orelha a orelha e uma agradável sensação de
otimismo. A Energica Experia é uma ‘cross over’ com
ar de maxi-trail mas montada numa ciclística desportiva
exclusivamente para estrada.
Contudo, a segunda moto, de uma outra marca bem
conhecida, acabou por não ficar disponível, pelo que
nos salvou a Suzuki Burgman 650 do sogro. Ou seja,
o futuro antecipado por muitos, lado-a-lado com uma
tecnologia de motorização com mais de cem anos de
existência.
Um mundo de novidades
A minha experiência com elétricas resumia-se a percursos
citadinos e interurbanos. E se num dia fiz perto
de 200 quilómetros com uma elétrica, com um carregamento
pelo meio de várias horas, acho que tal ‘feito’
era o meu recorde até à data.
A possibilidade de passar algum tempo com o modelo
que a marca italiana denomina de “Turística Verde”, ou
Green Tourer como exibe nas carenagens, iria permitir-
me rolar por muito mais tempo num ambiente totalmente
distinto, capaz de “assustar” a mais audaciosa
das elétricas. Por outro lado, havia ainda a possibilidade
de validar a rede elétrica de postos de carregamento
públicos, uma vez que a Experia permite “alimentar”
a sua gigantesca bateria num posto de carregamento
rápido, reduzindo de forma substancial o tempo
necessário para a operação. Este aspeto, o tempo de
carregamento, constitui o maior óbice à versatilidade
de uma moto elétrica, o que as deixa, normalmente,
circunscritas ao ambiente citadino.
Planeamento militar
Já sabia de antemão que esta “descida eletrificada” da
Estrada Nacional 2 iria obrigar a um planeamento militar.
Isto porque que haveria que entender a autonomia
disponível em função do andamento adotado e dos postos de carregamento que poderíamos utilizar
ao longo do percurso. De preferência, com o mínimo
de desvios do itinerário principal.
Convirá realçar que a escolha da Energica não surgiu
por acaso. Na verdade, já havia desafiado o João Nuno
Cruz, diretor comercial da Moteo (importador nacional
da marca sedeada em Modena) para algo ainda
mais espetacular e mediático. O receio de uma autonomia
insuficiente levou a que se agendasse a “aventura”
para algo mais tranquilo em termos de pressão
logística.
E lá chegou a segunda metade de agosto, com a perspetiva
de uns dias de canícula que, por sorte, não se
concretizaram em pleno. Mas havia ainda outra dificuldade
pela frente…
N2 em contra-relógio?
O já referido compromisso com o enlace no final de
semana, levava a que tivéssemos apenas três dias para
uma volta de quase 2000 quilómetros, já que a partida
para o ponto de arranque se faria de São Félix da Marinha.
A saída numa quarta-feira com céu nublado, até Chaves
e com os eletrões a ‘tope’, iriam ser a primeira prova
de fogo da Energica e dariam o mote para o resto
da viagem. Isto porque os cerca de 180 quilómetros
que separam as duas cidades seriam efetuados integralmente
por auto-estrada, pois a ideia era arrancar
a seguir ao almoço para a N2 e ir dormir já lá para os
lados de Viseu.
O certo é que a Energica conseguiu chegar a Chaves
com apenas uma carga, rolando a 120 km/h na primeira
metade do percurso. O problema é que quando
“atacámos” a Serra do Marão, a autonomia disponível
– exibida no painel de instrumentos – começou a
baixar de uma forma tal que seria impossível chegar
ao destino flaviense sem encontrar um local de carregamento.
Para complicar tudo ainda mais, as estações
de serviço ao longo da A24 não estão ainda adaptadas
a esta realidade mais urbana e não me restou solução
que não fosse adaptar o andamento para manter uma
‘almofada’ de uns escassos 10 quilómetros de autonomia.
O certo é que acabou por dar e, vencido o desafio orográfico,
foi sempre a regenerar até à antiga Aqua Flaviae.
À procura de ‘vitaminas’
O oitavo mês do ano é de festa por todas as terrinhas
do interior e de regresso dos emigrantes, ou dos seus
descendentes, às origens. Particularmente em Trás-os-
-Montes, acho que metade do parque rodoviário suíço
“estaciona” naquela província lusa, passe o exagero.
Dado o bulício que se vivia em Chaves, não foi fácil
encontrar onde carregar a Experia. Foi então que
começamos a descobrir e a gerir a utilização da rede
Mobi.e, a empresa pública que desde 2015 assumiu a
responsabilidade da gestão e monitorização da rede de
postos de carregamento elétricos.
Nela podemos ver, basicamente, a localização, número
de carregadores, potência de carregamento, tipo de tomada
e a disponibilidade momentânea.
A possibilidade de utilizar o ‘cartão mágico’ de um dos
parceiros da Mobi.E, no caso da EDP, cedido pela Moteo,
facilitou de sobremaneira a viagem e evitou que
tivéssemos de parar cerca de seis horas para recorrer
a uma tomada caseira de 220V e utilizar o carregador
para o efeito disponibilizado com a moto.
Afinal, mototurismo com uma elétrica começava a
deixar de ser algo de quimérico.